A NOZ DO CERRADO
Por muito tempo, a castanha do baru permaneceu restrita aos pastos
do Planalto Central do Brasil, servindo de alimento para o gado. Mas sua estréia na cozinha moderna já revelou inúmeras possibilidades culinárias
Entre os antigos habitantes de Goiás, a castanha do baru era tratada como "comida quente". Usavam esse termo para se referir à noz de formato elíptico, nativa do Cerrado. Ingerida crua, ela causa intoxicação, provocando perebas na pele. Por isso, era praticamente desprezada pelo povo da roça, apesar de sua riqueza em proteínas. Só mesmo as crianças, contrariando os avisos dos mais velhos, esbaldavam-se de comer a semente do baru. Grande e arredondado, ele é o fruto de uma árvore frondosa, da família das leguminosas (Dipteryx alata Vog.), que chega a atingir 25 metros de altura.
De agosto a outubro, quando a castanha madura do baru cai aos montes no chão, vira comida farta para bois e vacas, nas extensas pastagens do Planalto Central. Sob a sombra generosa da árvore homônima, os animais lambem a polpa fina e adocicada, separada da amêndoa por uma casca dura. Não há refresco melhor para o calor intenso e constante característico do clima do Cerrado - região que ocupa uma enorme área de quase 2 milhões de quilômetros quadrados do território nacional e reúne grande biodiversidade, além de uma importante malha hidrográfica.
Por muito tempo, o baru ficou restrito aos pastos, e a castanha pouco despertava a curiosidade dos moradores locais. As velhas quituteiras goianas aprenderam a torrá-la e costumavam usá-la em versões regionais de pé-de-moleque e paçoquinha. Torrada, ela assume sabor mais marcante que o do amendoim, de quem é aparentada - ambas são leguminosas. Mas o baru pertence a uma variedade arbórea.
O período de anonimato da castanha do Cerrado, entretanto, estava com seus dias contados. Em 1997, o cozinheiro italiano Gennaro Salvemini veio de férias ao Brasil. Visitando amigos que moravam em Pirenópolis, conheceu a cidade. Gostou tanto da pitoresca localidade, fundada em 1727, a 120 quilômetros de Goiânia, que resolveu ficar. Há cinco anos, Salvemini trocou Pirenópolis pela capital goiana, onde mantém a Nonna Pasqua, uma empresa especializada em fabricar produtos com ingredientes locais, entre eles a castanha do baru. A matéria-prima cozida serve de base para uma famosa variação do molho pesto. Curtida em álcool de cereais dá origem a um licor cremoso, batizado de Baruzetto, outro produto comercializado pela Nonna Pasqua, que também atende encomendas pela internet através do site www.nonnapasqua.com.br.
Aos poucos, a noz do Cerrado foi cativando mais e mais apreciadores. Hoje, o versátil ingrediente confere um toque todo especial a diferentes pratos. Os crisps de baru que acompanham o sorvete de cajuzinho do Cerrado (outro fruto típico da região) são apresentados na página seguinte. A receita é do chef de cozinha Rodrigo Sanchez, do recém-inaugurado Lounge I Maestri, de Brasília. Ele foi apresentado ao baru em 2004, quando participava do primeiro Festival Gastronômico e Cultural de Pirenópolis, onde a castanha torrada é vendida nos mercados, com ou sem sal.
A estréia da novidade na cozinha moderna trouxe outra contribuição importante. Ameaçada de extinção pelo desmatamento indiscriminado, a árvore que a produz tem sido alvo de ações ambientais que encontraram na gastronomia um forte aliado para a sua preservação. Organizações não-governamentais, como o Centro de Estudos e Exploração Sustentável do Cerrado (Cenesc), com sede em Pirenópolis, empenham-se na promoção cons-ciente dos produtos nativos da região. É possível receber em casa a castanha do baru, crua ou torrada, que a entidade despacha pelo correio. Os pedidos podem ser feitos pelo telefone (62) 3331-3892 ou pelo e-mail cenesc@brturbo.com.br.
Mas as qualidades do baru não param aí. Desde o fim da década de 1980, especialistas do Centro de Pesquisa Agropecuária dos Cerrados, atual Embrapa Cerrados, desenvolvem estudos com a espécie. Já descobriram, por exemplo, que é uma árvore de crescimento rápido e, por isso, indicada no reflorestamento. Para completar, a castanha apresenta alto valor nutritivo. Além das proteínas, é particularmente rica em cálcio e ferro. O povo também lhe atribui poderes afrodisíacos. Garante que, na temporada da castanha, o número de mulheres grávidas se multiplica na região. Por essa razão, ela ganhou até um apelido: viagra do Cerrado.